quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O palhaço do circo de ouro


O palhaço do circo de ouro

O espelho fixado na parede móvel do camarim improvisado refletia um rosto sem expressão de um palhaço velho e cansado das mesmas brincadeiras que já não mais divertiam os poucos que ainda se atreviam a ir ao circo ambulante. Traços de uma figura mambembe, um palhaço, como tantos outros, mesmo assim um palhaço. Um dia chegou a sonhar, nem faz tanto tempo assim, uns quinze anos, só o tempo mesmo para passar despercebido, sem cautela é capaz de perder-se no espaço temporal e sequer saber a idade, que idade teria esse rosto no espelho? Olhava-se na altura dos olhos e refletia.

- Se o espelho reflete tudo na mesma proporção, como saber qual das imagens está dentro do espelho? Posso eu estar aprisionado nesse maldito espelho e sequer suspeitar disso, pensou relutante o pobre palhaço.

Conjecturas de um palhaço. Quem já viu uma coisa assim, se pudessem ouvir tais palavras, se pensamentos não fossem, diriam que o palhaço caducou.

- Tadinho dele!

Não podia mais esperar uma resposta vinda do outro ser refletido, a apresentação iria começar. A maquiagem se fez como sempre, perfeita! Anos de experiência permitiam ao palhaço pintar-se como num passe de mágica, pudera, mágico já fora também, mas era a prática e não a mágica que o espelho mostrava. E como para prevenir, olhou mais uma vez ou foi olhado, não sabemos. A maquiagem cingia sua face como um palhaço de um circo de ouro, a borda do espelho era ouro, os pincéis tinham ouro, tudo era ouro. Até o punhal com que vira no espelho um palhaço acariciando seu pulso direito era
ouro, ouro banhado de sangue, um sangue dourado, e um palhaço sorrindo vermelho.

BRUNO LIBERAL

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